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Manuel Armando

Padre

Tempos bem ou mal aproveitados

Em determinado momento, abstraído e quase absorto, ia lendo os papeis avulsos que estavam diante de mim. Uma forma simples de como, a todos, é permitido ocupar alguns minutos e, depois de alguma tarefa mais exigente, devermos descansar, distanciando-nos, no alheamento consciente, daquela lufa-lufa diária que acaba por nos absorver de maneira a condenar-nos à aparência de autómatos, – o que tentaremos evitar.

Há sempre um livro, Revistas, panfletos, manuais e grande variedade de outras coisas que nos ajudam a preencher, com muita utilidade, alguns tempos de lazer. Deixar-se perder esses intervalos entre trabalhos, mais ou menos pesados, é um crime que será punido pela consciência intranquila atingida por uma inutilidade comprovada.

A exercitação psíquica é exigência que se apresenta com grande acuidade e nos obriga a uma actividade que, ocupando o espírito e as faculdades físicas, leva à utilização permanente das capacidades pessoais inteligentes, tantas vezes, omitidas ou até desconhecidas.

São inúmeros os cometimentos de bem e bom que desperdiçamos diariamente com as nossas indevidas distracções, para não as rotular de preguiças – até seria, talvez, o termo e conceito mais adequados, – sendo nós arrastados para uma esclerose psico-somática, sempre indesejada.

Ora, há tempos atrás – reatando o que referi no início desta minha redacção – estava a passar os olhos pelos papeis e a ler o que continham. Era o meu interesse e entrega naquele instante. Uma folha solta fez-me quedar a atenção no título escrito, “APRENDER O QUÊ E COM QUEM?”

Um sonegado apreço tomou conta do meu espírito. Era um poema que continuei a ler até ao fim.

«Engraçado»! Disse para comigo.

Comecei a sentir-me envolvido, afirmando-me silenciosamente de acordo com aquela reflexão que acabara de ler, enquanto, ao mesmo tempo, me pareceu já ter lido esse texto nalgum lado e noutra ocasião. Passaram-se breves minutos e, então, revolvendo mais minuciosamente as gavetas da memória, onde se guardam coisas importantes e também assuntos mesquinhos, vim a relembrar que esse dito poema era obra da minha própria autoria, inserto num dos meus livros –“O MEU ANJO NÃO PERDEU AS ASAS”.

Tal episódio levou-me a analisar o muito ou pouco interesse em que ciframos o nosso passado, as nossas capacidades e descobertas, aquilo que produzimos ou deixámos por fazer.

Frequentemente temos ocasião de confrontar a nossa negligência, mas pomos no rol do esquecimento muito do que deveria incentivar-nos a outras proezas actualizadas que enriqueceriam o modo particular de ser e agir em cada momento tornado presente. Sempre que semelhantes circunstâncias afloram ao de cima, podemos ou não, fazer disso o apoio para o revigoramento do entusiasmo integral em novos empreendimentos, estruturados para nossa edificação personalizada e, ainda, de interesse em relação aos outros.

Se não damos conta e importância ao que realizámos no passado, jamais poderemos ajudar a transformar o mundo que ocupamos por benese de Quem nos criou e carinho dos que nos alimentaram e ensinaram a entrar na vida, aproveitando os diversos caminhos concretos do bem-estar e da paz, como também evitando conviver no desamor e desvirtuamento dos valores morais, espirituais intrínsecos nos humanos e que exornam a sociedade, conduzindo todos na vivência da fraternidade e da serenidade anímica, mormente ansiadas nestes dias que parecem tão escurecidos por um pendor de índole egoísta, sensualista e deletéria ou pela ausência do exercício mental que haveria de gravar, no fundo de cada um, o sentimento da rectidão e verdade a ser aceite, implementado e respeitado.

Olhar o passado não é fomentar saudades mórbidas, mas, sim, é chamar exemplos e espevitar estímulos para que se trabalhe mais e com melhor qualidade.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico, por vontade expressa do autor