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Manuel Armando

Padre

Tolerância e cativação

Nestes nossos tempos e talvez mais que nunca, fala-se com insistência sobre os conceitos da “tolerância” e “cativação” que se completam um ao outro, como também podem considerar-se antagónicos, ou até anuladores rivais, entre si.

São o Estado, a Igreja, a Escola e a sociedade em geral que aduzem os motivos mais sofisticados para se produzir, em cada esquina e nas variadas circunstâncias, a tolerância. Parece ser quase a única virtude, referente aos relacionamentos humanos que pretende apagar os erros, os atropelos, a preguiça, a má educação e tantos mais desvios que descobrimos sem termos de inventar outros diferentes comportamentos inúteis e descabidos.

Somos, todos, membros de uma comunidade onde os valores éticos e espirituais subentendem um respeito e cumprimento da conduta adequada a uma vida com deveres e direitos recíprocos, harmonizando todo o empenhamento pessoal e comum que se supõe estar gravado indelevelmente na personalidade de cada um dos indivíduos. E estes, porque não existem sós, terão de descobrir e entender, durante o seu devido crescimento existencial, a tal profusão das formas de procedimento que darão razão a que seja organizada a afamada sociedade igualitária, sempre apregoada com alguma teimosia.

Para se poder fazer o exercício da tolerância, torna-se exigido e urgente que haja visão e desejo pessoal de construir um Universo justo com a colaboração de todos e aceitar-se cada indivíduo como é, mas ajudando-o também a reformular-se pessoalmente a fim de que obtenha um direito ou favor moral para ser desculpado de alguma coisa menos honesta que haja realizado.

Sem a consciencialização humilde e séria não há lugar a qualquer gesto de tolerância. O negativo não edifica nada.

A tolerância não justifica nem sustenta o desrespeito propositado pela dignidade de qualquer pessoa ou trabalho feito por outrem.

Todos deveremos conjugar as capacidades em favor do bem comum, não havendo lugar às benesses da desculpa.

Quem “trabuca”, “manduca”. Dos preguiçosos, malcriados, indolentes, desinteressados e egoístas não irá rezar a História.

O entendimento de tolerância pode muito bem adaptar-se e completar-se com o processo da motivação ou, se quisermos, cativação.

Cativar será pôr um motor a trabalhar. E para isso é suposto naturalmente que ele não esteja já estragado e que ninguém o avarie.

Hoje recorre-se e muito, em variados sectores de laboração humana, à necessidade de cativação. Volta a pensar-se no poder político, no mundo académico, na Igreja e em diversas Instituições, como agentes obrigatórios ao seu exercício, incentivando os novos a andarem em frente no meio dos múltiplos quadrantes de alguma faculdade intelectual operativa.

Todavia, a cativação que visa qualquer avanço não pode confundir-se com o espírito laxista que leva os mais jovens a habituarem-se a contraditar todos e tudo quanto lhes desagrada fazer. Quando, porventura, agirem desse modo, a vida à sua frente deixará de ser útil e não vai atingir nunca algum fim em vista.

O facto de tolerar ou tentar cativar não leva a supor o dever de fechar os olhos à realidade, admitindo-se que cada um trabalhe simplesmente no que lhe apetece sem a mínima responsabilização imediata e prejudicando terceiros.
Os paninhos quentes amolecem ou entravam a luta pela verdade das coisas.

Nisso, a acontecer, os resultados serão nulos e deixam a sociedade desvirtuar-se, num abrir e fechar de olhos.
Gostaria muito de tolerar tudo quanto parece menos bem, mas amava, sobretudo, incentivar ou cativar os demais com a finalidade de um empenhamento positivo pois, dando-nos as mãos, erigiríamos o Universo num maior equilíbrio fraterno.

A tolerância não significa consentir-se o caso de cada um fazer o que ou quando quer, mas é motivá-lo a encontrar-se consigo mesmo, cooperando também com os demais para completar o mundo que é de todos.

Cativar é alguém esforçar-se por levar o semelhante a abrir os horizontes da inteligência, frente à verdade concreta do mundo que habitamos.
Desta obrigação, sim, ninguém ouse afirmar-se dispensado.