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Orlando Fernandes

Assinante JB

Transição climática… com moderação

Há umas semanas, jovens ativistas atiraram tinta verde ao ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro. E voltaram à carga com assinalável coragem física. É-me evidente a desproporção entre a indignação com os protestos e a motivação dos protestos. Discordo do meio usado com o ministro. Há uma fronteira intransponível no respeito pelo corpo dos outros. Só que estas ativistas – todas jovens, quase todas raparigas – não foram apenas criticadas quando ultrapassaram a linha da ofensa à integridade física. Foram-no quando ocuparam escolas, atiraram sopa para o acrílico de um quadro sem o danificar, mancharam um vidro na FIL, cortaram estradas – gesto que se achou aceitável contra o aumento de portagens. Tirando o recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), qualquer radicalidade subversiva – sem a qual as sociedades definham – para assinalar o tema mais dramático que a Humanidade já enfrentou, é vista como ilegítima.

É-me doloroso criticar estas ativistas, até quando falham. Porque vivemos num tempo de anemia cívica, em que as pessoas só se mexem por interesses corporativos ou identitários, ambos legítimos e autocentrados. O movimento pela justiça climática mobiliza milhões de jovens por um bem comum.

Pertencendo a uma geração que nada fez e tinha toda informação necessária, custa-me não estar incondicionalmente do seu lado. E só não estou na medida e que o apoio incondicional é uma forma de demissão crítica.

Concordo com quase tudo o que escreveu Luís Aguiar-Conraria, que chegou à conclusão oposta. Depois de fazer um levantamento de declarações de António Guterres, incluindo quando disse que “a Humanidade abriu os portões do inferno”, chama a atenção para a hipocrisia de quem se revê neste diagnóstico e, “perante o cataclismo”, condena as jovens que atiram tinta ao ministro. “Se queremos ações ponderadas, temos de ter um discurso ponderado”. Mas onde o Luís pede ponderação eu exaspero com a dormência. Onde ele vê um discurso apocalíptico que cria ansiedades em “quem não tem o cérebro totalmente desenvolvido”, eu vejo sinais de lucidez. (…)

Oito anos depois dos Acordos de Paris, nenhum país está a cumprir as metas para limitar o aumento de temperatura a 1,5 graus. (…) Entre a posição de Carmo Afonso – “não podemos, nem devemos, dissociar a bondade de um protesto da bondade da causa pela qual se protesta” – e a de Francisco Mendes da Silva – “não pode ser a arbitrariedade de cada um a determinar que causas têm ou não direito de cidade” -, ambas no jornal “Público”, revejo-me na segunda. (…)

Só que há uma radicalidade intrínseca à emergência climática só comparável ao risco de uma guerra nuclear. Não é fácil manter uma posição de princípio sem vacilar quando a causa é a sobrevivência da Humanidade. Quando o preço da derrota é tudo. Nunca lidámos com nada destas dimensões, pelo menos se levarmos a sério o que dizem os cientistas. Com humildade, temos de pôr a hipótese de os princípios éticos, institucionais e políticos que temos não estarem preparados para tanto. (…)

A minha reação a estas ações é de vigilância perante os excessos, mas com a noção do que está em jogo.

O equilíbrio que levou o ministro a condenar o ato de que foi vítima, mas a dizer que “faz parte”. Os que acreditam no que Guterres tem dito sabem que a quem sobreviver parecerá ridícula a nossa indignação com os protestos perante a dimensão trágica do que eles tentam sinalizar. Claro que juízos morais e políticos só podem ser feitos no presente. Sempre achei megalómana a convicção de que se está do lado certo da história, como se soubéssemos como ela vai acabar. Só que, neste caso, até sabemos. E, sabendo o que está em causa, estamos obrigados a alguma moderação na ponderação dos nossos princípios.