Assinar

Orlando Fernandes

Assinante JB

Um país refém

Risco de inflação, aumento das taxas de juro, discussões sobre a liberdade orçamental dos Estados-membros em tempo de crise, aumento dos preços da energia e das matérias-primas, protecionismo com custos para o consumidor, inseguranças nas fronteiras, eleições polarizadas com pressão para promessas impossíveis de cumprir. E a lista podia prosseguir. Estão a juntar-se no horizonte sinais de crise que podem penalizar a Europa. Tanto ou talvez mais do que os Estados e os respetivos governos.

Bruxelas e as instituições europeias (à exceção do Conselho, que é menos ingénuo) têm, de si a ideia de que são um instrumento do bem. As regras, a legislação, os fundos, os valores, o papel no mundo. Em tudo, as instituições acreditam, sinceramente que são a superação dos egoísmos (nacionais, regionais ou locais, mas também globais) e a definição de políticas assentes em valores e em conhecimento.

Onde a política nacional é povoada de interesses partidários (ou inconfessados) e cálculos de curto ou médio prazo (conforme o ciclo eleitoral); a União Europeia é o oposto, acreditam. Por depender apenas indiretamente de eleições, a agenda da Comissão é (ou era, tradicionalmente) livre das pressões eleitorais. Por estarem longe da governação diária e das responsabilidades que acarreta ou deputados europeus dificilmente são penalizados por qualquer decisão que se tome no Parlamento. Tradicionalmente, a não ser no Reino Unido, ou nas franjas eleitorais de alguns Estados-membros, a Europa era sempre um elemento positivo. E nas sondagens continua a ser. Mas isso pode mudar.

Depois de 2011, quando a Troika chegou a Portugal pela mão de um governo socialista, uma das maiores surpresas foi a objeção que passou a haver à Europa dentro do mais europeísta dos partidos portugueses. Em vez de palmas em congresso de cada vez que era mencionado, a Europa passou a ser associada às imposições feitas ao país e à austeridade importada (pelo menos até o Partido Socialista perceber que eleitoralmente tinha muito mais interesse responsabilizar o governo pela governação). De fonte de todo o bem, a Europa passou, subitamente a ser fonte de todo o mal. Em vez de fundos, cortes nos salários; em vez de Erasmus, emigração.
2011 já lá vai, as economias de Portugal, Irlanda e Grécia recuperaram e a Europa ganhou, sobretudo nos últimos anos uma nova história para contar. A transformação digital, a resposta às alterações climáticas e um lugar autónomo no mundo são o novo enredo da Europa. Mas a História não é necessariamente o que se quer que seja.

Maior integração – e tem havido muito – expõe muito mais a União Europeia. Já não só fundos, Erasmus ou mercados para onde exortar. São regras que pesam nos custos das empresas e das pessoas, imposições que limitam a política orçamental de cada país e governar pressões migratórias que as forças populistas exacerbam e comparações com as “outras potências” que a diminuem, à escala global.

Acresce que o tempo da grande coligação europeia entre socialistas e democratas-cristãos conservadores já não é o que era. O PPE ainda é maioritário no Conselho, mas de todos os países que aderiram antes de 2004 apenas governa em dois (Grécia e Áustria). E embora os socialistas tenham acabado de ganhar na Alemanha, não há uma onda social-democrata na Europa.

De resto, pressionados pela política nacional, dois dos quatro frugais que em 2019 não queriam, a ´bazuca´ (Suécia e Dinamarca) tinham governos sociais-democratas. O que significa que Bruxelas e o que se decide em Bruxelas pode ser crescentemente o conflitual, em vez de consensual, como era a tradição. E a Europa não tem a resistência que os Estados têm.