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Fernando Castro

Presidente da AIDA CCI – Câmara de Comércio e Indústria do Distrito de Aveiro

Vamos todos virar a página

A reconstrução do nosso País, pela urgência e dimensão de que a situação se reveste, tem de ser uma obra que envolva todos, o setor público e o setor privado e o setor social, complementando-se nas suas ações.

O ora findo ano de 2020 vai ficar para a História como o ano em que a Humanidade, não obstante todo os progressos científicos e tecnológicos alcançados, foi surpreendida e vergada por um desconhecido e microscópico vírus, qual “cisne negro” saído da caixa de Pandora ao qual foi dado o nome de COVID 19.

Mas para além deste cisne negro outros houve que nos atormentaram longa e profundamente, entre os quais se destacaram o do “vírus Trump” e do Brexit.

No entanto, 2020 também nos trouxe algumas boas notícias.

Começando pelo terceiro “cisne negro”, o do Brexit, foi excluído do horizonte nos últimos momentos, mediante o acordo de parceria que foi possível negociar entre as partes.

Ainda bem que foi conseguido tal acordo, apesar de levar algum tempo a serem feitos os ajustamentos necessários para ser restabelecida uma nova normalidade política e económica entre a União Europeia e o ainda Reino Unido. Oxalá este respeite as regras ora acordadas, pois já tivemos oportunidade de nos apercebermos o quanto o seu grande defensor é instável e não tem rebuço em dar o dito por não dito, ou de espreitar nesgas para contornar as malhas do acordado.

O segundo cisne negro, o do “vírus Trump”, atormentou-nos durante quatro anos e o pesadelo de poder continuar a ameaçar-nos por mais quatro foi-nos perseguindo a partir do momento em que foi conhecida a sua obstinação de querer continuar sem olhar a meios para atingir fins, como infelizmente ficou demonstrado pelos trágicos acontecimentos do passado dia 6, no Capitólio, aos quais o Mundo assistiu estupefacto.

Felizmente não conseguiu atingir tal desiderato e pudemos vislumbrar algum alívio com a confirmação do resultado das eleições que haviam sido realizadas no início de novembro último. Também levará vários meses até que Joe Biden consiga corrigir decisões erradamente tomadas e transmita o clima de confiança indispensável à normalização das relações políticas internacionais e, por arrastamento, das relações económicas e sociais.

Relativamente ao primeiro “cisne negro”, o da pandemia COVID 19, para além de ter causado uma crise sanitária mundial, provocou e continua a provocar também profundos e graves prejuízos económicos, sociais e muito certamente financeiros, cuja dimensão e superação ainda são difíceis de prever.

Ante o cenário dantesco, imprevisto e incalculável que desde o início de 2020 começou a desenhar-se, a comunidade científica empenhou-se e arregaçou as mangas a investigar, ao mesmo tempo que várias entidades governamentais – com destaque para a Comissão Europeia – financiaram as investigações com verbas avultadas, todas determinadas, numa autêntica corrida contra o tempo, a encontrar uma solução, fosse ela vacina ou retroviral que conseguisse suster a pandemia. Até que finalmente várias vacinas foram conseguidas em tempo recorde e puderam começar a ser aplicadas ainda antes do final do ano. Tal empenhamento é de agradecer e de enaltecer a todos os títulos!

Infelizmente, devido à elevadíssima e rápida disseminação da pandemia a nível mundial, cujo número de pessoas infetadas se aproxima de cem milhões e o de mortos já ultrapassa os dois milhões, o controlo da situação irá demorar ainda longos e penosos meses até que o número de pessoas vacinadas consiga produzir o desejado efeito de imunidade de grupo. Mas há que ter esperança!

No nosso País, a expectativa é de que lá para os finais de 2021 se possa viver já um ambiente sanitário relativamente mais tranquilo e que as muitas atividades afetadas comecem a recuperar, não sem que, entretanto, a degradação sanitária, social e económica deixe profundas e negativas marcas.

Com o eclodir e evoluir da pandemia, não foi somente a preocupação com a descoberta de uma medicação eficaz a estar na ordem do dia. Os Governos e outras entidades apressaram-se a tomar medidas, não só a nível sanitário, mas também de apoio financeiro às famílias e às empresas, para mitigar os danos causados pela paralisação de inúmeros setores da economia. Mas as medidas tomadas foram a correr sempre atrás dos fogos, face à surpresa com quem a todos colheu e à sua rápida progressão em múltiplas frentes.

No caso de Portugal a situação colocou-se com muito maior dificuldade, não apenas por não estarmos preparados, mas por o Governo não dispor de margem orçamental e o País continuar a braços com uma elevada dívida soberana cuja gestão exige especiais cuidados. Esse quadro não permitiu apoios à medida das necessidades que se impunham. As ajudas a fundo perdido foram escassas e tardias e as empresas foram incentivadas a endividarem-se ainda mais, para além de lhes ter sido permitido atrasar os pagamentos de alguns compromissos, nomeadamente financiamentos. A título de exemplo, estima-se que neste momento só as moratórias bancárias ultrapassem os 46 mil milhões de euros!

Mas porque a dimensão dos estragos  atingia  praticamente todos os países da União Europeia, não apenas o Banco Central Europeu cedo se dispôs a tomar medidas de auxílio extraordinárias e de envergadura, mas também a Comissão Europeia não tardou em começar a desenhar e a discutir programas de apoio bastante abrangentes e robustos, incluindo algumas medidas inéditas que envolvessem todos os 27 Estados membros nas soluções a adotar, as quais implicaram longas semanas de perseverantes negociações.

Assim, para além da discussão e aprovação do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 que constava da agenda de trabalhos normal para 2020, comportando a disponibilização de cerca de 1.074 mil milhões de euros para os diversos programas comunitários, a Comissão Europeia empenhou-se também em discutir e fazer aprovar um programa excecional que designou “Next Generation EU”, no montante de 750 mil milhões de euros, combinando 672,5 mil milhões de euros de fundos do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) e 77,5 mil milhões de euros de verbas de outros programas do QFP, para investir numa Europa mais verde, mais digital e mais resiliente.

Cerca de 70% do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (aproximadamente 218,8 mil milhões de euros) serão disponibilizados em meados de 2021 e em 2022, e 30% (aproximadamente 93,8 mil milhões de euros) poderão estar disponíveis em 2023.

Para justificar as verbas a que Portugal poderá aceder ao longo dos próximos anos – a ultrapassar os 45 mil milhões de euros – o Governo aprovou o chamado Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) onde são apontadas várias possibilidades de investimento, com privilégio para o investimento público, porque parte da premissa marcadamente ideológica de que a iniciativa privada não tem capacidade para alavancar a necessária recuperação da economia portuguesa, como foi dito expressamente por um destacado membro do Governo.

É de lamentar a defesa de tal linha de pensamento, uma vez que se esquece e desvaloriza o papel que as nossas empresas privadas, sem ajudas públicas, desempenharam desde 2012 até 2015, incrementando as exportações em cerca de 20% e salvando o nosso País da bancarrota criada pela governação socialista.

Com o recrudescer alarmante da pandemia nas últimas semanas, o Governo teve de voltar a impor novas medidas de confinamento social que irão aprofundar os prejuízos dos mais variados setores económicos que ainda se encontram longe de estar restabelecidos dos prejuízos sofridos desde março do ano passado, quando a pandemia começou a obrigar a adoção de medidas restritivas da atividade.

Tal como então, as medidas de apoio agora divulgadas voltam a ficar aquém das necessidades das empresas, para além de já habitual demora na sua operacionalização.

Por isso, seria de todo recomendável que o Governo refletisse e se dispusessem a incentivar a iniciativa privada, sem complexos ideológicos, deixando de privilegiar o setor público (TAP e CP nomeadamente) face ao setor privado e deixando de distribuir aquilo que o País não consegue ainda produzir.

Estando as nossas empresas descapitalizadas, em grande parte devido aos esforços a que têm estado submetidas e à falta de uma política económica que estimule o investimento, seja de origem nacional seja de origem estrangeira, este é o momento oportuno para colmatar essa falha e eliminar medidas atrofiadoras da economia, nomeadamente ao nível fiscal, da justiça e da burocracia.

O capital humano, bem fundamental em qualquer organização, necessita de estar devidamente capacitado para responder às exigências do momento e da evolução que a ciência e a dinâmica dos mercados impõem. Por isso, medidas como a aplicação de verbas suficientes para a capacitação, seja de colaboradores ativos seja para a reinserção de desempregados, bem como a adequação dos currículos escolares às necessidades atuais do mercado de trabalho têm que estar na primeira linha das preocupações. Só assim se poderá contribuir significativamente para recuperar o atraso que o nosso País continua a ter, para aumentar a produtividade e a competitividade das nossas empresas face à concorrência internacional.

O papel das nossas empresas na reindustrialização e recuperação do nosso País é fundamental para incrementar as exportações, reequilibrar as contas externas, criar e redistribuir riqueza, criar empregos e perspetivas de futuro para as novas gerações.

Por tudo isso, as empresas privadas não podem ser vistas apenas como fontes de pagamento de impostos.

A reconstrução do nosso País, pela urgência e dimensão de que a situação se reveste, tem de ser uma obra que envolva todos, o setor público e o setor privado e o setor social, complementando-se nas suas ações.

Esta é uma oportunidade excecional que não deverá ser desperdiçada.

Só assim Portugal terá futuro, prestígio e lugar condigno no Mundo à altura da sua História.

Vamos acreditar e vamos todos virar a página!