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João Pacheco Matos

joaopmatos@hotmail.com

É a democracia!

Antes de qualquer considerando, é preciso vincar: nunca na história de Portugal tanta gente foi votar. Grande parte devido ao Chega, que trouxe pessoas que nunca tinham votado (vence nos sub-34 anos com 25%), recuperou antigos eleitores que tinham desistido, tocou no eleitor mediano, sem curso superior. Elegeu um dos poucos deputados negros. Surge como um 3.º bloco, que nunca tinha existido.

Cresce 36 deputados. 1,1 milhões de votos.

Por outro lado, nunca o conjunto PSD + PS teve tão poucos deputados. O PS perde 38 e mesmo assim parece ter-se aguentado. A AD ganha apenas 5 – e não ganha mais em parte por incompetência própria com a rábula do ADN – mas faz uma excelente campanha a nível estratégico, liderada pelo bairradino Pedro Esteves, comandando a agenda, gerindo muito bem o André Ventura e apagando fogos de erros tácticos desnecessários.

Goste-se ou não, foi a vontade popular e é preciso respeitá-la e respeitar as opções de voto de todos os eleitores. É a democracia!

E agora?

Sabemos que Ventura quer ser ministro, que para ele, “o que passou, passou” e o que foi dito na campanha, não tem valor.

Sabemos que o PSD mantém o “não é não”.
Será que o Chega vai avançar com a moção de rejeição? Sabemos que o PS não a votará favoravelmente.

Também sabemos que só muito dificilmente o PS aprova qualquer OE do PSD. E que o Chega, sem presença no governo, tudo fará para o emperrar.

Sabemos que nos próximos 6 meses o governo não pode cair.
É o tempo que o PSD tem para governar intensa e rapidamente, com o maior número possível de medidas executivas, evitando o Parlamento, que não domina. É o tempo que o PSD tem para agarrar os eleitores do Chega, que poderão ficar à sua mercê (e do CDS).

É possível (senão provável), lá para Outubro, por altura da apresentação do OE para 2025, e aproveitando o esperado voto contra do PS, que o Chega não resista à tentação de forçar a dissolução da AR agora constituída.

Será um cenário semelhante ao de Cavaco em 1987. Mas Ventura não é Hermínio Martinho. E o movimento populista de extrema-direita é uma realidade europeia.

Para ter sucesso, o país precisa que o PSD apresente uma ideia para o país. Não é a descida de impostos. Isso não é uma ideia. É uma medida. Tirando Santana Lopes por razões óbvias e António Costa por sobrevivência, todos os PM tinham uma ideia para o país. Montenegro, se a tem, não a mostrou. Mas na verdade, se aquele cenário se concretizar, ainda agora começou a campanha de 6 a 8 meses para as próximas eleições legislativas. É bom que Montenegro aproveite para apresentar uma visão, um rumo, um desígnio. E não faltam temas importantes com uma guerra iminente, as evidentes alterações do clima e efeitos na nossa vida e na agricultura, a economia que cresce a 1% ao ano nos últimos 20 anos, a falta de mão-de-obra, o problema demográfico, a sustentabilidade da Segurança Social e a integração dos imigrantes, a prestação de serviços de saúde num estado miserável, um sistema de educação em que ninguém se preocupa com os alunos, as escolas e a aprendizagem, uma justiça em pé de guerra interna e externa.

Nestes 6 meses, o PSD vai fazer esse caminho sozinho. Precisa de bons quadros políticos e técnicos que, a bem da nação, não podem continuar alheados da vida política.

O PS nunca esteve tão à esquerda. Nunca houve um 3.º bloco partidário, populista e extremista. O centro político moderado está disponível a ser disputado. Acredito que, sem temas tabu, o PSD pode ocupar esse espaço e trazer consigo a franja enorme de descontentes que votaram no dia 10 de Março em quem lhes apresentou uma ideia de solução para os seus problemas. Mesmo que na verdade não seja solução nenhuma e às vezes nem sequer ideias são.