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Manuel Armando

Padre

Justiça para a vida justa

Ouve-se com alguma frequência e como desabafo de quase desespero: – «a vida é muito injusta».
Ora, em primeiro lugar, pergunto-me se entendo suficientemente quanto significa em mim a vida para, depois, poder perceber alguma dimensão do negativismo em que tanta gente naufraga. Não sou melhor nem mais afoito que ninguém, mas tento descortinar o dom que Alguém me emprestou para eu poder enxergar, à volta ou longe, as prerrogativas, tantas vezes deixadas ao abandono por causa da preguiça emocional que me envolve na presunção de não ter que aceitar quaisquer reveses desagradáveis.

Esforço-me, todavia, em entrar no sentido humano de alguns desânimos e descobrir o lado positivo da existência com todas as possíveis dificuldades ou contratempos inerentes que ela acarreta ao lado de outras bastantes coisas que, decerto, ajudarão a ultrapassar as horas árduas e a dar uma direcção mais adequada a quanto possuímos e pesar melhor qual a sua utilidade.

Chegamos a um ponto determinado do nosso viver em que quase julgamos não ser preciso lutar para nos reconhecermos úteis e positivos. Olhamo-nos como senhores que não deveriam merecer provações e sofrimentos e, por isso, não recebemos de bom grado quaisquer desgraças que se nos afiguram injustas.

Contudo, aqui, necessitamos de uma pacatez interior que nos abra a mente para prestarmos urgência e razão a todos os pormenores da nossa luta diária.

E, portanto, se com todas as virtualidades que dependem de nós, ou nem por isso, olhamos a vida, de soslaio, pelo muito que nos acontece, somos tentados a fazer julgamentos erróneos e, daí, não nos considerarmos merecedores de infortúnios para os quais nunca nos preparámos como seria de supor.

É muito humano o desejo permanente de felicidade e bem-estar. Mas em sociedade nem sempre os seus membros se ajudam a procurar o equilíbrio cultural entre todos.

Alguém se permitirá julgar erradamente que a ansiada tranquilidade do espírito será um dado adquirido, sem mais. Esquecemos, com efeito, que o mundo é algo em renovação constante e que essa tarefa compete a todos e ninguém se pode fazer substituir.

Há, pois, a exigência de, antes de vociferar contra uma imaginada má sorte, examinarmo-nos e avaliarmos quanto demos ou não do nosso trabalho empenhado para que a vida nos sorria. De certeza, encontraremos em todos os dias da nossa laboração lacunas que nos retiram, de imediato, a razão de barafustarmos contra tudo quanto nos aparece como adverso.

A vida, dádiva suprema de amor, foi-nos posta nas mãos. Cumpre-nos dar-lhe seguimento e cooperação positiva, pois nós, omitindo a obrigação e diligência, é que somos injustos com ela. Pagamos-lhe mal e ainda nos fazemos vítimas lamuriosas se não atingimos quanto o egoísmo pessoal almeja.
Ora, reconheçamos a nossa injustiça para com o dom da vida e jamais nos iremos abeirar do muro das lamentações porque havemos de reconhecer que os nossos deveres é que não são cumpridos.

Texto escrito ao abrigo do anterior acordo
ortográfico, por vontade expressa do autor