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Oliveira do Bairro // Sociedade  

Oliveira do Bairro na rota da esperança migrante

Apesar de não se conhecerem, estas pessoas, de diferentes nacionalidades, têm um sonho em comum: regularizar a sua situação em Portugal, país onde querem viver, trabalhar e criar os seus filhos, com tranquilidade e em segurança.

O CLAIM funciona desde 2020, através de um protocolo entre o Município de Oliveira do Bairro e o então Alto Comissariado para as Migrações (hoje AIMA). Está sediado no Quartel das Artes, mas também presta atendimento itinerante nas freguesias, numa lógica de proximidade e facilitando o acesso de quem tem mais dificuldades em deslocar-se.

Pouco passa das 9h30 quando chegamos à antiga escola primária da Palhaça. Ali, no espaço da biblioteca, naquela manhã de quarta-feira, Sílvia Silva, do CLAIM – Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes, atende o primeiro agendamento. Na sala de espera improvisada, duas mulheres aguardam a sua vez.

Apesar de não se conhecerem, estas pessoas, de diferentes nacionalidades, têm um sonho em comum: regularizar a sua situação em Portugal, país onde querem viver, trabalhar e criar os seus filhos, com tranquilidade e em segurança.

O CLAIM, gabinete criado em 2020 pelo Município de Oliveira do Bairro, um dos primeiros do país, atendeu, em maio/junho 2025, uma média de 120 clientes. A grande maioria (mais de 50%) são pessoas de São Tomé e Príncipe, logo seguidas do Brasil, Venezuela e Angola. Quem se dirige ao CLAIM reside, maioritariamente, no concelho de Oliveira do Bairro, mas este serviço é também procurado por pessoas a morar, por exemplo, em Anadia (menos de 20%) e Águeda (5%). Estas pessoas procuram o CLAIM para tratar, principalmente, de assuntos relacionados com a permanência em território nacional/autorização de residência.

“O CLAIM é, sobretudo, um serviço de informação, escuta e orientação”, explica Sílvia Silva, técnica com formação em Serviço Social, que está 100 por cento afeta ao gabinete. “Cada caso é diferente. A pessoa apresenta-nos o seu problema, nós orientamos e encaminhamos, porque soluções não podemos dar”, constata.

As histórias reais por detrás da burocracia

Paulo António já foi atendido e está disponível para contar a sua história ao Jornal da Bairrada. Veio de Angola há dez meses. Vive na Palhaça e, de três propostas de trabalho, optou pela que ficava mais próxima de casa. Trabalha na Isofibras das 9h às 17h, mas já pensa em complementar com um segundo emprego, na Bosch, das 22h às 5h. Quando pergunto quando irá descansar, encolhe os ombros. “Isso neste momento não é importante. Eu aguento.” O seu foco e pensamento continuam a milhares de quilómetros. no país onde nasceu e onde permanece a filha mais nova, de 7 anos. “A minha menina, Lidiana, fala comigo ao telefone, chorando… e só me pede isto… «Papá, por favor, quando eu chegar aí quero comer uma maçã vermelha…». A promessa de uma simples maçã tornou-se um símbolo de um reencontro que não tem data para acontecer, depois de o visto da filha ter sido rejeitado três vezes.

As lágrimas de Paulo misturam-se com as palavras que descrevem a sua rotina. “Só quero arranjar dinheiro suficiente para sair da casa onde estou e poder trazer a minha menina para junto de nós.” O filho mais velho, de 18 anos, ficou a trabalhar em Angola. Paulo vive com a mulher – que começara a trabalhar num restaurante em Cacia, dois dias antes – e as outras duas filhas, de 10 e 13 anos, numa casa perto do centro da vila da Palhaça, que divide com um antigo colega, com quem trabalhou na banca, no país de origem. Admite, sem medo de represálias, que é explorado “por alguém que julguei meu amigo”, pagando-lhe pelo subaluguer um valor superior ao que aquele paga de renda ao senhorio.

Paulo António com as suas filhas de 10 e 13 anos

À noite, num único quarto, enquanto mãe e filhas partilham uma cama exígua, Paulo dorme no chão, num colchão que arruma todas as manhãs. Apesar das dificuldades, este homem educado, de 49 anos, que fala quatro línguas, não perde o espírito de sobrevivência. “Sou operador de produção na Isofibras, mas trabalhei muitos anos na área da logística. Fiz o 12.º ano e estava a tirar o curso de Engenharia Geográfica. Não terminei porque fui para o alto mar, trabalhar na extração de petróleo, onde chegava a ficar dois, três meses. Penso um dia terminar o curso na Universidade de Aveiro. Gosto de fazer voluntariado, ajudo dois comércios na Palhaça com o marketing digital, sou DJ, organizador de eventos, gosto de cozinhar… Enfim, adoro desafios. Quem sabe amanhã não vou para jornalismo!”, brinca, com um sorriso triste.

A angústia entrelaçada em esperança de Paulo António ressoa nas histórias de outras pessoas com quem nos cruzamos naquela manhã. Sarah Martins, uma educadora de infância brasileira de 28 anos, vive o mesmo pesadelo burocrático. Chegou a Portugal há um ano, depois de o marido, que trabalha na construção civil, já ter residência. “Quando cheguei, foi extinta a manifestação de interesse”, conta. Sarah chegou a estar uns dias, à experiência, numa creche no Porto, mas aconselharam-na a regularizar primeiro a sua situação. “Não consigo o reagrupamento familiar, face à mudança da lei”, explica, perdida. “Procurei ajuda no CLAIM, de forma a saber o que fazer, mas não têm uma resposta concreta.”

A espera e a incerteza também marcam a vida de Yelitze Villalba, uma venezuelana de 37 anos que mora no Troviscal. Chegou há quatro anos com os três filhos (de 20, 19 e 8 anos), mas o mais velho continua sem cartão de residência, apesar de estudar no concelho. “Estamos à espera há anos da ajuda da AIMA e nada foi feito”, lamenta. “O meu filho queria seguir os estudos em Águeda, mas precisa do cartão de residência.” “Vim para Portugal porque a situação económica e social da Venezuela está muito instável e complicada. Gostamos muito de estar aqui, fomos muito bem recebidos e acolhidos”, reforça Yelitze Villalba.

A sua história é partilhada por Joana Garcia, da Guatemala, que veio em busca de uma vida melhor – “na Gautemala, nem casa tínhamos!…” – e viu-se enganada. “Primeiro, foi-nos cobrada uma manifestação de interesse falsa; depois, arranjamos um advogado, mas só tratava de burocracia e papelada…” Mesmo estando a trabalhar desde julho de 2024, numa clínica veterinária, e o marido na construção civil, ambos fazendo descontos para a Segurança Social, continuam todos – ela, o marido e os dois filhos, que frequentam o pré-escolar e o 1.º ciclo – sem cartão de residência.

Já Claudiana dos Santos, de 41 anos, do Brasil, que veio há quase dois anos com os dois filhos, de 12 e 22 anos, diz que tem o cartão de residência dela e do filho mais velho, mas falta o do mais novo, que frequenta a EB 2/3 Frei Gil, em Bustos. “Vim para Portugal por questões de segurança, para criar os meus filhos num ambiente mais calmo”, refere, mostrando, mais uma vez, que o desejo de uma vida segura é o que move todas estas pessoas, mas a realidade burocrática torna o caminho mais difícil.

Joana Garcia, Claudiana dos Santos e Yelitze Villalba

Alterações à lei dificultam processos

A técnica do CLAIM, Sílvia Silva, valida a dor destas pessoas. “A maior preocupação é regularizarem-se”, afirma, sublinhando que as novas alterações à lei tornaram a regularização “um bocadinho mais difícil”.

Segundo Sílvia Silva, há dois grandes grupos de migrantes: os que acabaram de chegar ao país, não sabem como tudo funciona e precisam de se integrar; e os que já cá estão e que querem, ou renovar a sua residência ou trazer a família ou pedir a nacionalidade. Portanto, “são muitos e diversos os assuntos que trazem as pessoas ao CLAIM.”

“A maior preocupação é ficarem legais. Os requisitos fundamentais mantêm-se: ter uma casa e um trabalho minimamente estável. Mas as recentes mudanças legislativas, de facto, dificultaram a regularização. Há um ano e meio, por exemplo, a pessoa podia vir para fazer turismo e acabar por ficar se arranjasse trabalho, conseguindo regularizar-se. Isso, atualmente, já não é possível. Só trazendo um visto de trabalho consegue a regularização”, alerta.

Para muitos, o CLAIM é a primeira porta que se abre: desde a criação de um e-mail, pedido de NISS (Número de Segurança Social), inscrição de filhos na escola, como arranjar casa. “Há pessoas que que preparam muito bem a vinda para um país diferente; outras, nem por isso, pensam que chegam cá e que tudo se resolve. Mas não é bem assim”, conta Sílvia Silva. “As pessoas chegam e deparam-se com dificuldades em encontrar trabalho. São pessoas com licenciaturas, mestrados, até doutoramentos que, quando chegam, deparam-se logo com a primeira dificuldade, a equivalência dos seus diplomas. E o CLAIM orienta.”

Não raras vezes, os técnicos deparam-se com situações mais graves. “Casos de violência doméstica ou toxicodependência, que acabamos também por encaminhar para outros serviços do Município”.
Para Sílvia Silva, o CLAIM funciona como uma âncora para estas pessoas. Em articulação com a AIMA e os serviços locais, “o CLAIM acolhe, escuta e encaminha.”

Este gabinete de apoio também trabalha em parceria com o Agrupamento de Escolas e com o Centro de Emprego e Formação Profissional de Águeda, no sentido de promover cursos de Português Língua de Acolhimento para pessoas estrangeiras. Este ano, houve dois cursos em fevereiro e abril, e o CLAIM está a reunir candidaturas para vir a iniciar um novo curso no último trimestre de 2025.

População aumenta e, com ela, as necessidades

Oliveira do Bairro orgulha-se de ser um dos municípios da região que mais tem recebido e acolhido imigrantes nos últimos anos. O vice-presidente da Câmara Municipal, Jorge Pato, reconhece o contributo dos imigrantes para o concelho, nomeadamente na questão demográfica, que permitirá que, em 2030, Oliveira do Bairro seja o concelho mais jovem da Região Centro.

“Estas pessoas, quando chegam, deparam-se com barreiras como a língua, burocracia… mas vão-se integrando, não se registando problemas sociais relevantes. “Não há um aumento de insegurança, pelo contrário, até têm vindo a diminuir as ocorrências; e a nossa indústria precisa destas pessoas, precisa de mão de obra”, afirma Jorge Pato.

Ainda assim, com a chegada de tantos imigrantes ao concelho, coloca-se a questão: serão as infraestruturas e equipamentos suficientes? “Sim, ainda temos as infraestruturas suficientes para as necessidades mas, em alguns aspetos, começamos a aproximar-nos do limite, nomeadamente nas escolas e creches. Teremos, naturalmente, de reforçar e reestruturar o que for preciso para responder a esta realidade”

O vice-presidente da autarquia destaca ainda o esforço da autarquia no que respeita à Estratégia Local de Habitação. Para além disso, “estamos com processos de reabilitação como nunca houve no concelho. O proprietário percebe que é preferível ter a casa reabilitada e arrendada do que devoluta e abandonada, para além de ter um IMI agravado”, alerta o vice-presidente.

Apesar de todas as dificuldades, as histórias de Paulo, Yelitze, Joana, Sarah, Claudiana e tantos outros revelam uma força inabalável. Uma força que os faz trabalhar em dois empregos, bater à porta do CLAIM duas e três vezes, e esperar, pacientemente, por um documento que lhes permita, finalmente, respirar de alívio. Uma força que mantém viva a promessa de uma simples maçã vermelha.

Uma legislação que está a sofrer importantes mudanças

A legislação que serve de base para a imigração é a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que define o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. No entanto, nos últimos tempos, têm surgido mudanças e discussões importantes. Alterações recentes e propostas:Fim das Manifestações de Interesse: Uma das mudanças mais significativas foi a revogação do artigo que permitia a regularização da residência através de uma “manifestação de interesse” (Decreto-Lei n.º 37-A/2024). Isso significa que, para obter uma autorização de residência, os imigrantes devem agora ter um visto prévio. Esta medida visa tornar o processo mais controlado e evitar entradas não regulamentadas.

Novas Exigências: O governo aprovou um conjunto de alterações que aumentam a exigência para a obtenção de nacionalidade e residência. Entre elas estão a necessidade de comprovar meios de subsistência adequados (excluindo prestações sociais) e alojamento antes de entrar no país. Para os requerentes e seus familiares, podem ser exigidas medidas de integração, como o domínio da língua portuguesa e a frequência escolar obrigatória para menores.

Reagrupamento Familiar: Foram propostas restrições ao reagrupamento familiar, permitindo que os imigrantes só possam solicitar a vinda dos seus familiares após dois anos de terem obtido a autorização de residência. Essa medida tem sido muito criticada por associações de imigrantes, que a consideram uma violação do direito à unidade familiar e contrária à legislação europeia.

Criação da AIMA: O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) foi extinto e substituído por novas entidades. O controlo de fronteiras passou para a GNR e PSP e a gestão dos processos de imigração e asilo ficou a cargo da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Extensão da validade de autorizações de residência: Um decreto recente (Decreto-Lei n.º 85-B/2025) prorrogou a validade das autorizações de residência que caducaram ou caducariam até 30 de junho de 2025. Estes documentos são agora válidos até 15 de outubro de 2025, para permitir a renovação por parte da AIMA.

Vistos para Lusófonos: As novas regras impactam o regime especial para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), pois a regularização de quem entra como turista já não é possível. É agora obrigatório ter um visto de residência prévio.

Análise do Tribunal Constitucional

Na semana passada, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou a chamada Lei dos Estrangeiros (o decreto do Parlamento que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), depois de o Tribunal Constitucional ter anunciado a inconstitucionalidade de cinco normas. Entretanto, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro já garantiu que o Governo vai fazer mudanças, mas insiste na alteração do regime do reagrupamento familiar.

As leis de imigração em Portugal estão, de facto, num momento de grande mudança e é essencial que os interessados se mantenham informados sobre os desenvolvimentos e as decisões oficiais.