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Salvador Carvalho

Estudante de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

O voto autárquico é o mais importante para a democracia e para o envolvimento cívico dos jovens

No rescaldo das eleições autárquicas, a discussão pública centra-se quase sempre nos vencedores e vencidos. Fala-se de partidos, percentagens e alianças, mas rapidamente se esquece a abstenção, esse tema que domina as conversas até às 20h do dia das eleições e desaparece logo a seguir, apenas para regressar no próximo ciclo eleitoral. Nesta era em que a abstenção cresce e a confiança nas instituições políticas se desgasta, é urgente repensar onde realmente reside o coração da democracia.

A maioria dos jovens vê a política como algo distante, burocrático e ineficaz, um espaço dominado por elites e partidos, onde o cidadão comum pouco pode influenciar. Mas talvez o problema não esteja no desinteresse dos jovens pela política, e sim na distância da política em relação aos jovens. A crescente autonomia e poder da União Europeia reforçou esta sensação, muitas decisões que afetam a economia, o ambiente, as políticas sociais e até os direitos individuais são hoje tomadas em Bruxelas ou Estrasburgo, longe do olhar e da voz dos cidadãos comuns. Para um jovem, é difícil perceber quem decide sobre o seu transporte público, sobre os impostos que paga ou sobre as políticas educativas que o afetam, quando estas decisões são influenciadas por regulamentações europeias complexas. O resultado é uma perceção de que o poder é supranacional, técnico e impessoal, e que a participação individual não altera os resultados, um fenómeno que aumenta a apatia política e a sensação de impotência democrática.

É neste contexto que o voto autárquico surge com especial destaque como ferramenta para revitalizar a democracia e reaproximar as novas gerações da vida pública. Ao contrário das eleições nacionais ou europeias, o voto local traduz-se em decisões imediatas, visíveis e concretas, a criação de espaços culturais, a gestão de transportes, o apoio à habitação jovem ou programas de sustentabilidade municipal. É uma política aplicada à rua onde vivemos, à biblioteca onde estudamos, ao parque onde passeamos e à cidade onde crescemos.

O poder local é o nível político que mais diretamente influencia o quotidiano. Quando um jovem vota para eleger o presidente da câmara ou da junta de freguesia, está a escolher quem define políticas que afetam o seu dia a dia. Essa proximidade dá ao voto autárquico uma importância única, pois permite que o eleitor veja resultados concretos da sua participação, quebrando a ideia de que “nada muda”. Ao sentirem-se parte ativa da comunidade, os jovens desenvolvem um sentimento de pertença e responsabilidade cívica, o oposto da apatia política.

O voto autárquico assume-se, assim, como um antídoto para o abstencionismo e o populismo. O afastamento entre cidadãos e instituições, seja a nível nacional ou europeu, é terreno fértil para a desconfiança, mas quando o poder está próximo e acessível, o envolvimento e a participação crescem. O voto local tem também uma dimensão educativa e democrática, é o primeiro degrau da participação política, é através dele que os jovens percebem que a política não é apenas um jogo partidário, mas um instrumento de mudança comunitária.

Mais participação local significa menos espaço para discursos fáceis e divisionistas. Uma sociedade que discute o orçamento da sua aldeia ou vila, e decide coletivamente as suas prioridades, é menos vulnerável à manipulação populista. Por isso, se o voto autárquico é tão importante, é necessário dar às autarquias as condições para exercerem o seu poder de forma plena e responsável. Isso implica três grandes mudanças, a primeira é dar mais autonomia de decisão e de orçamento, para que as câmaras e juntas possam responder aos problemas específicos da comunidade, depois é preciso realizar uma valorização das carreiras autárquicas, com formação em ética pública, gestão e transparência e uma remuneração justa que reduza os riscos de corrupção e atraia talento para a política local. Por último, é imperativo que haja um maior envolvimento dos jovens, através de assembleias municipais juvenis, orçamentos participativos e programas de estágio locais. Estas medidas são instrumentos para fortalecer e restaurar a confiança democrática, sobretudo entre as gerações mais novas, quanto mais o jovem sentir que as decisões são tomadas perto de si, maior será o seu sentido de responsabilidade coletiva.

Em conclusão, reforçar o poder local é reforçar a democracia. O voto autárquico não é um voto “menor”, é o voto que mais diretamente liga o cidadão ao poder. É nele que se constrói o sentido de comunidade, o compromisso com o espaço público e o desejo de melhorar o lugar onde vivemos. Ao investir nas autarquias, capacitar os seus representantes e envolver os jovens nas decisões locais, estaremos a combater três males crónicos da nossa democracia: a abstenção, a corrupção e o populismo.

O futuro da participação política não se decide apenas em Lisboa, em Bruxelas ou Estrasburgo, decide-se nas ruas, nas praças, nos bairros e nas assembleias de freguesia e municipais. Os próximos quatro anos devem ser vistos como uma oportunidade para valorizar o voto autárquico e aproximar a política das pessoas, porque, afinal, a política começa à porta de casa.